Exemplos desafiantes, Ana!
E eu só trago lenha para a fogueira.
Quanto ao verbo transitivo indireto "chamar", já houve gente a dar conta da sua admissão de predicativo do complemento indireto:
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/um-caso-raro-de-predicativo-do-complemento-indireto/34803
Vamos ao nosso velhinho Lindley Cintra e Celso Cunha e lá está essa possibilidade: Obrigado, Cintra e Cunha (e Maria Eugénia Alves), o verbo "chamar" agradece esse ornamento.
Em Gosto das flores da primavera, da primavera parece-me ser um modificador de as flores. É o que antigamente a gente denominava "complemento determinativo", mas como não é obrigatório, a frase continua válida sem ele e o nome não o solicita, é, pois, um modificador.
Com a A mesa é feita de madeira, é que parece que estamos feitos ao bife, embora haja quem diga que neste último caso o modificador ou complemento seja dispensável: estamos feitos chega bem, o bife ficaria para mais tarde.
Pois o que "encanzina"1 a coisa é a dúvida a respeito da forma feita estar lá no seu estatuto de verbo ou travestida de adjetivo.
Se fosse particípio passado, como seria a forma ativa?
A passiva de Alguém faz a mesa de madeira poderia ser A mesa de madeira é feita por alguém ou A mesa é feita de madeira por alguém. Isto é, de madeira, num caso, aparece ligado a a mesa noutro ligado a é feita, como verificamos no nosso exemplo.
Portanto, temos uma interpretação (sintática) em que há um predicativo do sujeito "feita de madeira" com o adjetivo "feita" com o seu complemento "de madeira". Numa outra interpretação (sintática), temos o núcleo verbal "é feita" com o complemento oblíquo "de madeira".
Lembrei-me da lengalenga do macaco de rabo cortado2 que "de rabo fez navalha", "da navalha fez sardinha", "da sardinha fez farinha", "da farinha fez menina", "da menina fez camisa" e "da camisa fez viola". Será que "de madeira alguém faz a mesa"? O que estraga o jogo passiva/ativa é a falta dos determinantes: a "a mesa" deveria corresponder alguma coisa determinada na origem que seria "da madeira".
Parece-me mais acertado reconhecer um caso em que o particípio passado funciona como adjetivo num uso comum que responde à pergunta De que é que é feito X?
1 Sobre o caso deste uso erudito, consultar: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/pelourinho/pobre-lingua/3442.
2 https://historiasdeamoremorte.wordpress.com/2016/03/23/o-macaco-de-rabo-cortado-conto-tradicional-portugues-de-antonio-torrado/