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Algumas dúvidas

Algumas dúvidas

by Ana Maria Coelho Baía -
Number of replies: 6

Boa tarde a todos.

Aqui deixo algumas dúvidas que me incomodam há algum tempo:

1. Na frase "A mesa é feita de madeira." Qual a função sintática do constituinte "de madeira"?

2. Na frase "Gosto das flores da primavera." Qual a função sintática do constituinte "da primavera"?

3. Existe a função sintática de predicativo do complemento indireto? Na frase "Chamou-lhe burro." Qual a função sintática do constituinte "burro"?

Obrigada

Bom fim de semana

Saúde!

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Re: Algumas dúvidas

by Samanta Botelho Paralta -

Olá Ana,

Let's go into the deep!

As tuas dúvidas também são as minhas.

Na tua frase 1, não sei mesmo, mas há ali uma construção com o particípio passado, que é um adjetivo, portanto, de madeira deve ser complemento do adjetivo porque se fosse modificador podia ser retirado da frase... será?

Na tua frase, 2, da primavera, como podes retirar e a frase fica com sentido: gosto das flores, então não será da primavera modificador (das flores) (de que tipo de flores gostas mais?

Na tua frase 3, acho que acertaste em cheio, e burro é um PCI.

 

E os outros colegas, que dizem?

Pronho uma formação só com sintaxe!!!!!!!

Beijinho

 

In reply to Samanta Botelho Paralta

Re: Algumas dúvidas

by Luís Filipe Redes -

Eu digo que estou de acordo com estas soluções e respondo mais extensamente ao "post" da Ana.

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Re: Algumas dúvidas

by Susana Maria Rodrigues Ferreira -

Olá, Colegas.

São dúvidas pertinentes e que nos fazem pensar.

Frase 1. Não sei. Antigamente era um c.c. de matéria. Agora, talvez um complemento do nome, porque, "mesa", neste contexto, necessita de um  constituinte que complete a sua significação.

Frase 2. Penso que será um modificador restritivo do nome. "flores da primavera" ou "flores primaveris".

Frase 3. Neste contexto, diria que o verbo "chamar" seria um verbo transitivo direto e indireto. Assim "burro" seria um CD e "lhe" um CI.  

Enfim, sem grandes certezas.

Beijinhos!

 

In reply to Susana Maria Rodrigues Ferreira

Re: Algumas dúvidas

by Luís Filipe Redes -

Olá,

Quanto à frase 1, parece-me que há uma dificuldade: a seguir a "mesa", temos "feita de madeira" e não unicamente "de madeira". O facto de poder ser complemento circunstancial de matéria no caso de "a mesa de madeira" mostra a fragilidade dessa teoria sintática, pois não relaciona a noção de função com a estrutura da frase. É espantoso que o "complemento" de um nome receba a mesma designação de um "complemento do verbo". Isto é, não importa o lugar da frase onde tal adjunção se faça1.

Na frase 3, repare que, se "burro" é o complemento direto, na passiva passaria a sujeito:

*Burro foi-lhe chamado por ele.

No entanto, é interessante que a colega tenha classificado o verbo "chamar" transitivo direto e indireto. O problema é que, na passiva, o burro, com a sua proverbial teimosia, não encaixa na posição de sujeito. Para lá caminha alegremente o CI.

O Yuri chamou burro ao Vassili.

*Burro foi chamado ao Vassili pelo Yuri. 

O Vassili foi chamado burro pelo Yuri.

Não será "chamar" antes um verbo transitivo-predicativo?

NOTA: O facto de o grupo com função de complemento indireto transitar para sujeito na passiva torna controversa essa classificação. O problema é que no uso mais generalizado o objeto do chamamento é regido por preposição e é substituível por lhe. Por isso, temos de admitir que "burro" seja um predicativo de complemento indireto.

1 Figueiredo, José Nunes e Ferreira, A. Gomes (1974). Compêndio de gramática portuguesa. Porto Editora, p. 63.

In reply to Ana Maria Coelho Baía

Re: Algumas dúvidas

by Luís Filipe Redes -

Exemplos desafiantes, Ana!

E eu só trago lenha para a fogueira.

Quanto ao verbo transitivo indireto "chamar", já houve gente a dar conta da sua admissão de predicativo do complemento indireto: 

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/um-caso-raro-de-predicativo-do-complemento-indireto/34803

Vamos ao nosso velhinho Lindley Cintra e Celso Cunha e lá está essa possibilidade: Obrigado, Cintra e Cunha (e Maria Eugénia Alves), o verbo "chamar" agradece esse ornamento.

Em Gosto das flores da primavera, da primavera parece-me ser um modificador de as flores. É o que antigamente a gente denominava "complemento determinativo", mas como não é obrigatório, a frase continua válida sem ele e o nome não o solicita, é, pois, um modificador.

Com a A mesa é feita de madeira, é que parece que estamos feitos ao bife, embora haja quem diga que neste último caso o modificador ou complemento seja dispensável: estamos feitos chega bem, o bife ficaria para mais tarde.

Pois o que "encanzina"1 a coisa é a dúvida a respeito da forma feita estar lá no seu estatuto de verbo ou travestida de adjetivo.

Se fosse particípio passado, como seria a forma ativa?

A passiva de Alguém faz a mesa de madeira poderia ser A mesa de madeira é feita por alguém ou A mesa é feita de madeira por alguém. Isto é, de madeira, num caso, aparece ligado a a mesa noutro ligado a é feita, como verificamos no nosso exemplo.

Portanto, temos uma interpretação (sintática) em que há um predicativo do sujeito "feita de madeira" com o adjetivo "feita" com o seu complemento "de madeira". Numa outra interpretação (sintática), temos o núcleo verbal "é feita" com o complemento oblíquo "de madeira".

Lembrei-me da lengalenga do macaco de rabo cortado2 que "de rabo fez navalha", "da navalha fez sardinha", "da sardinha fez farinha", "da farinha fez menina", "da menina fez camisa" e "da camisa fez viola". Será que "de madeira alguém faz a mesa"? O que estraga o jogo passiva/ativa é a falta dos determinantes: a "a mesa" deveria corresponder alguma coisa determinada na origem que seria "da madeira". 

Parece-me mais acertado reconhecer um caso em que o particípio passado funciona como adjetivo num uso comum que responde à pergunta De que é que é feito X?

 

1 Sobre o caso deste uso erudito, consultar: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/pelourinho/pobre-lingua/3442.

2 https://historiasdeamoremorte.wordpress.com/2016/03/23/o-macaco-de-rabo-cortado-conto-tradicional-portugues-de-antonio-torrado/