Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

by Isabel Araújo -
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                Não tendo qualquer experiência na lecionação de PLA, a minha perspetiva é apresentada enquanto docente de Português, podendo perder a especificidade inerente ao contexto. Ainda assim, é seguro afirmar que as estratégias aplicadas pela professora Raquel Pereira funcionaram, uma vez que foram ao encontro das expectativas e necessidades do grupo de trabalho. A ideia de que não é possível trabalhar de uma forma homogénea com um grupo que não o é parece-me fundamental. Eventualmente, nós sempre soubemos isto, mas assumir que vamos ter de ajustar as nossas práticas a cada um dos elementos que compõem uma turma num horário que se espraia por diferentes turmas é um desafio difícil de assumir.

                De facto, foi o que a professora Raquel Pereira fez. Face a diversidade presente nos seus formandos, fosse pela presença de diferentes ritmos de aprendizagem, fosse pelo diferentes níveis de língua, sobretudo se considerarmos a origem tão diversa dos seus 14 formandos, a assunção de uma pedagogia diferenciada foi o ponto de partida para o desafio que se lhe apresentava.

                Se algumas das estratégias foram definidas de início, outras foram sendo ajustadas, à medida que o seu conhecimento do grupo progredia. Como ponto de partida, e tendo por base esta opção metodológica, foram criados grupos flexíveis de trabalho, que permitiram acomodar ritmos de aprendizagem e proximidade entre as línguas de origem; foram adotados materiais desenvolvidos por diferentes manuais e criados outros adaptados às necessidades do momento; foram utilizados recursos específicos, como é o caso de abordagens específicas para hispanofalantes; foi definida uma linha condutora para os trabalhos de casa e definidas estratégias para recuperação de aprendizagens perdidas por ausências prolongadas; foram exploradas questões culturais, através da criação de tópicos de discussão e partilha de vivências e produtos culturais. A par destas estratégias, eventualmente definidas a priori, foram criadas ou ajustadas outras, como a definição de um momento inicial de cada aula, consagrado ao diálogo e à partilha entre todos; a conceção de um momento final de consolidação de aprendizagens, ora remetido para um espaço extra-aula, ora prolongando o tempo de aula previsto; a correção individual do trabalho de casa, num esforço claro de personalização, cujos benefícios puderam ser potenciados.

                Diria que todas as estratégias elencadas resultam bem, se forem adequadas a um público específico. Neste caso, parecem ter resultado melhor aquelas que foram criadas como resultado de uma quase customização do ensino. Tal como os alunos de PLNM, também os adultos de PLA reconhecem quando os professores verdadeiramente se importam e vão além do que está previamente estabelecido. Foi essa a conclusão a que a professora Raquel Pereira chegou e parece ser a mais ajustada.

                Exatamente por não estar ciente do contexto, torna-se mais difícil a proposta de estratégias alternativas, ainda assim, e por se tratar de um público adulto, valeria a pena optar por abordagens menos tradicionais de ensino da língua. A simulação de situações reais pode ser uma boa estratégia, através de recursos como o role play ou a prática simulada. Esta abordagem poderia ser particularmente relevante para o domínio de campos lexicais, que havia sido uma fragilidade identificada aquando do diagnóstico. Outra das fragilidades havia sido a produção escrita. De modo a imprimir alguma motivação neste domínio, poder-se-iam implementar estratégias de heterocorreção, que promovem um foco maior nas produções próprias e o reconhecimento de dificuldades comuns nas produções dos outros.

In reply to Isabel Araújo

Re: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

by João Paulo Pereira -
Cara Isabel
Fez uma excelente análise das estratégias utilizadas pela professora Raquel Pereira. Ainda que não tenha experiência de PLA, apresentou estratégias alternativas que vão ao encontro das dificuldades da turma.
De facto, quando refere que "valeria a pena optar por estratégias menos tradicionais de ensino de língua", o que está a dizer é que se espera que atualmente o professor não fique preso a um método ou abordagem didática, mas revele ecletismo nas respostas que dá, de acordo com os contextos e os objetivos de aprendizagem (e as opções são muitas, das abordagens mais experienciais às artísticas, passando pela gamificação, por exemplo). Faltou apenas mobilizar a bibliografia dada, para uma melhor sustentação das ideias apresentadas.
Deixo-lhe a minha leitura deste caso, que no fundo vem complementar a sua.
Enquanto professores de PLA, devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios na implementação da pedagogia diferenciada na aula de PLA. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).