De uma maneira global, a professora Raquel Pereira adota práticas adequadas ao contexto, nomeadamente o preenchimento de uma ficha de identificação, que lhe permitiu perceber que teria de adotar estratégias de ensino diferenciado, como a criação de grupos flexíveis, por exemplo. No entanto, creio que a ficha sociolinguística teria de ser mais completa, especificamente no que diz respeito à identificação das necessidades comunicativas dos aprendentes. Creio que há dois aspetos que não foram considerados pela autora, a saber, a importância de os aprendentes serem coautores do seu próprio percurso de aprendizagem, selecionando temas e conteúdos que considerem essenciais no seu percurso. De facto, as necessidades linguísticas de alguém que trabalhe na construção civil ou de outro que trabalhe na área da restauração serão completamente diferentes, pelo que o estudo da língua deve refletir essas necessidades. Nas pp. 88 e ss., Raquel Pereira dá ênfase a “o que os alunos são” e a “o que os alunos sabem”, mas parece não ter comtemplado o que os alunos precisam. Desta forma, a estruturação do curso deveria ser por módulos não sequenciais e com o enfoque individualizado nos conteúdos. Por exemplo, quando se refere que uma aluna holandesa entrou a meio do curso, afirma-se que “foi possível à aprendente acompanhar o conteúdo que estava a ser lecionado no momento da sua chegada, apesar de haver ainda algumas limitações a nível da produção e compreensão oral e pronúncia, objetivos de ensino-aprendizagem que a aluna refere querer melhorar”. Ora, se o curso tivesse sido estruturado de forma modular, nem se colocaria a questão de a aluna conseguir ou não acompanhar o grupo.
Sem dúvida alguma que o professor precisa de se socorrer de material de base, como manuais escolares, mas tem de o adaptar de forma a que os conteúdos possam ser utilizados com elasticidade. Por outro lado, as necessidades de comunicação oral normalmente são superiores à comunicação escrita e a avaliação tem de refletir isso. É importante saber escrever, mas os processos de ensino-aprendizagem e de avaliação não devem dar demasiado pendor à produção escrita, sobretudo numa abordagem inicial. Deve haver um equilíbrio ou até uma valorização superior da compreensão e produção orais em relação às competências de compreensão e de produção escritas. Normalmente, uma criança aprende a sua língua nativa em contexto de imersão, sem problemas, com a cabeça fresca e só depois se dedica à alfabetização, durante vários anos. Mesmo que estejamos a lidar com adultos escolarizados, temos de reconhecer que, em muitos casos, há vulnerabilidades psicossociais que criam obstáculos ao ensino e o professor tem de os identificar para ultrapassar essas barreiras.
Creio que a partilha de produtos típicos ou a discussão de tópicos culturais terão sido as estratégias que terão resultado melhor e os trabalhos de casa talvez sejam os que resultaram pior. Muitos dos alunos não têm tempo para se dedicarem ao estudo autónomo em casa, ainda que isso também dependa muito do perfil de cada aluno e das tarefas. Se pedirmos ao aluno para fazer uma lista de cinco palavras novas que ouviu na rua ou no emprego e que as tente usar em contexto, é uma coisa, mas se apenas pedirmos para fazer uma lista de verbos, provavelmente o aluno sentir-se-á menos motivado. Há alunos que podem aderir a tarefas como fichas de trabalho dessa natureza e outros não, pelo que é fundamental o professor conhecer as barreiras psicossociais de cada aluno para adequar as tarefas dentro e fora da sala de aula.
Na minha perspetiva, uma abordagem mais lúdica e afetiva, com atividades que levem à interação pelo jogo, por exemplo, ou pelas artes poderia ser mais eficaz e de certa forma conduzir a maior nível de assiduidade. Porém, não podemos ignorar o facto de que muitas vezes os alunos são forçados a desistir dos cursos por razões alheias à sua própria vontade (caducidade de autorizações de residência, trabalho sazonal que exige deslocações, alteração de residência, entre outras) e que a instabilidade é norma nestes contextos de PLA. Assim, o professor pode questionar-se sobre os motivos da desistência e se a sua prática profissional terá contribuído para desistências, mas deve compreender que muitas das vezes os alunos simplesmente são forçados a abandonar os cursos contra a sua vontade.
No meu caso, gosto de pedir aos alunos para descreverem uma imagem sua que posteriormente apresentam aos colegas, por exemplo, em vez de ir aos manuais buscar fichas. Costumo modelar, partilhando uma imagem minha que descrevo, e depois muitos alunos partilham imagens de casamentos, festas de família ou férias, momentos felizes. A partilha sendo afetivamente relevante será também mais impactante e estimulante. Também uso muitas músicas, por exemplo, pois é um momento agradável e de partilha cultural. Até podemos fazer um festival de músicas do mundo em que cada aluno escolha um estilo musical do seu país e o apresente aos colegas ou um karaoke.
De igual forma, tenho diversos jogos de cartas e de tabuleiro que uso em momentos de interação de diversa natureza (por exemplo, o Supermatik para dislexia e disgrafia ajuda à discriminação fonológica). Outras alturas jogamos o bingo para praticar os números. Uma atividade que foi muito divertida, apesar de difícil, foi pôr os alunos a ouvir os números da lotaria do Natal. Depois pode-se fazer um role-play em que alguém tira os números, lendo-os, e depois outro indica o valor do prémio. Podemos ter outros alunos a fingirem que são os felizes contemplados dos três prémios e a partilharem o que pensam fazer com aquele dinheiro. Por fim, não compreendi se no caso em apreço foram valorizadas as histórias e conhecimento prévio dos alunos, mas é fundamental fazê-lo.