Reflexão/Discussão: Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

by Isabel Araújo -
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É inquestionável a importância de ser definido um plano estratégico, quando se prevê uma intervenção intencional e consequente em qualquer área. Neste caso, o alvo talvez não esteja bem definido, já que deveria ser o ensino do português, mais do que a sua aprendizagem. O importante será o que todos podemos fazer para que outros aprendam o português e não o colocar do ónus em quem tem de aprender o português, quaisquer que sejam as circunstâncias. Este deveria ser, pois, um Plano Estratégico para o Ensino do Português, não para a sua aprendizagem.

A perspetiva do Português como Língua Estrangeira é, também ela, teoricamente marcada, se tal se ficar a dever ao conhecimento do que está implicado, em termos terminológicos. Este plano estratégico estará deliberadamente a excluir todos os falantes migrantes para os quais o português não é uma língua estrangeira, nomeadamente aqueles para quem esta é uma Língua Segunda ou uma Língua de Herança, que hão de ser um contingente significativo.

Um outro aspeto dissonante é o facto de não haver qualquer indicação de quem está por trás deste plano. Trata-se de um plano traçado por autores não identificados, ocultados por detrás do organismo que o assume como seu. Tal permite pressupor a falta de conhecimento do terreno, que, aliás, pode ser comprovada, ao longo do documento. Do mesmo modo, esta é uma intervenção não fundamentada teoricamente, uma vez que não surgem quaisquer referências bibliográficas. Ora a investigação no âmbito da língua está num estado de evolução tal que quaisquer opções metodológicas podem, e devem, ser fundamentadas. Neste contexto, a definição de eixos estratégicos ou o planeamento de atividades deve estar suportado por opções fundamentadas em investigação feita, caso contrário correrá o risco de ser visto como um plano de intenções vazio de conteúdo, apenas para cumprimento de indicações superiores.

Ainda no âmbito da exploração dos aspetos paratextuais, talvez o documento ganhasse em ser produzido por uma entidade cuja credibilidade não estivesse tão abalada. É verdade que se trata apenas da opinião pública, mas qualquer um de nós será influenciado pela perceção de que tomara a AIMA conseguir cumprir as suas competências, quanto mais assumir responsabilidades no ensino do ensino da língua portuguesa.

O Enquadramento do documento aponta para alguns instrumentos internacionais que comprovam a importância de ser dominada a língua do país de acolhimento. A nível nacional, parecem não existir quaisquer estudos deste tipo. São referidas as parcerias estabelecidas e auscultação de diferentes entidades. É também feita alusão a uma consulta pública, cuja participação fica por esclarecer. Nesta sequência, são criados 5 eixos estratégicos, 39 medidas e 78 atividades, numa listagem que atribui responsabilidades a outras entidades e que vai dando conta do trabalho a desenvolver até 2027.

Por conveniência deste comentário, serão enunciados os cinco eixos e verificadas as atividades propostas em cada um.

Eixo 1 – Incentivar o domínio da língua portuguesa

Este eixo permite esclarecer a inversão de prioridades. É, aliás, sintomático que seja o primeiro eixo. O importante é que os migrantes aprendam o português, não que as estruturas estejam suficientemente ágeis para assegurar a resposta a uma procura que acredito ser óbvia, seja qual for o contexto migratório. Assim, em 2025, espera-se que haja uma campanha A1), sendo que, nos anos de 24 e 25, serão ciados dois materiais de divulgação (A2). O número de iniciativas parece espelhar o investimento a fazer, que não andará longe de um nível simbólico. A uniformização do formulário de inscrição para PLA está também prevista para 2025 (A4), visto, aparentemente, não ser uma prioridade. Os serviços de tradução da AIMA ficam reservados para esse momento. A simples criação de uma mailing list (A10) é considerada uma atividade, o que acaba por retirar importância a tudo o resto enunciado, quando intervenções de fundo de confundem com tarefas administrativas. A referência a apoios sociais (A11 e A12) é feita sem haja qualquer protocolo estabelecido com a Segurança Social. Não são esquecidos os migrantes com “deficiência ou incapacidade” (A14), mas qualquer iniciativa fica circunscrita a 2024. Há atividades cuja concretização não é esclarecida, como acontece com tudo o extravasa o âmbito da AIMA (cf. A17).

Eixo 2 – Reforçar os recursos disponíveis para o ensino-aprendizagem da língua portuguesa

As primeiras atividades no âmbito deste eixo têm como foco o perfil dos docentes de cursos PLA, cujo perfil se quer flexibilizado. Em aparente oposição, é apontada a possibilidade de criação de um perfil, que talvez possa ter como significado a criação de um grupo de recrutamento próprio. Esta medida é concretizada em atividades inconsequentes, nomeadamente a criação de um grupo de trabalho (A21)ou a divulgação de um perfil (A22), que seria redundante havendo um grupo de recrutamento específico.  O programa de mentoria previsto em A23 deveria ser especificado, visto ter como objetivo um apoio individualizado e ser ministrado pela AIMA, cuja capacidade de resposta tem dado mostras de grande fragilidade. A referência a materiais de ensino-aprendizagem não especifica a necessidade de manuais de PLA e as parcerias estabelecidas parecem ignorar essa necessidade. Já o grupo de trabalho (A31) estará criado já em 2024, sem uma agenda indicada. A divulgação do Guia de Apoio será incrementada por uma ação anual (A33), o que legitima que um Despacho criado em 2022 não tenha ainda sido assumido pelas escolas. Sempre que os objetivos são quantificados, fica a noção de que a escala não os torna minimamente consequentes: são 3 webinares por ano (A35), 1 estudo de investigação (A36), 2 webinares temáticos num único ano (A38).

Eixo 3 – Reforçar a oferta formativa

Na exploração deste eixo, volta a verificar-se o parco investimento em todos os indicadores quantificáveis (cf. A41). As medidas desta parte são, em grande número, subsidiárias de uma parceria com o Camões IP, preconizando a intervenção em PLA em países com os quais Portugal mantém um relacionamento próximo. Não menorizando a abordagem deste aspeto, essencial a uma política de língua séria, a questão que se coloca é a legitimidade de uma agência vocacionada para migrações e asilos para tutelar este tipo de ofertas. Quando se fala da intervenção do Camões IP, o universo de referência não é, por um lado, apenas a língua estrangeira, face à projeção em contextos de Língua Segunda ou Língua de Herança; já o universo não é de potenciais candidatos a migrações, mas antes de indivíduos ou empresas cujo interesse em Portugal é, sobretudo, comercial ou mesmo cultural, desligados daqueles que são os serviços prestados pela AIMA. A Portaria n.º 183/2020 torna-se, novamente, um dos focos de atenção deste eixo, com alterações previstas que permitam o alargamento da rede. Estranhamente, em momento algum é equacionada a taxa de certificação, como se os 70% fossem um valor inquestionável. Por qualquer razão não justificada, a atividade desportiva torna-se o foco de algumas atividades (A51 e A52). Estatisticamente, não creio que seja uma população relevante, mas não há indicação de que esse estudo tenha sido feito.

Eixo 4 – Promover o reconhecimento e a certificação das competências em língua portuguesa

Neste eixo é feita referência à gratuitidade da certificação de competências em língua portuguesa, medida que parece muito sensata (A57). O mesmo se aplica à certificação sem necessidade de frequência de ensino formal (A58). O desenvolvimento de ferramentas de avaliação e certificação digitais é relegado para 2026 e 2027 (A58) e remetido para o CAPLE. Talvez fosse importante a articulação com o IAVE, cuja experiência a este nível irá já bem mais avançada. A parceria com esta entidade surge ligada à PaN, cuja periodicidade é aumentada para uma prova anual, nos anos de 2024 e 2025 (A60). Não será difícil a consideração de que esta não será uma periodicidade que sirva os interesses dos candidatos.

Eixo 5 – Incrementar a disponibilização e a utilização de ferramentas digitais

Esta é uma vertente fundamental, visto permitir acompanhar a evolução operada pelos meios digitais e facilitar o acesso à oferta formativa, através da rentabilização de cursos PLA a distância (A65), da responsabilidade o IEFP, ou de cursos online do Camões IP (A66). A capacitação em competências digitais (A67) ou as questões de literacia digital (A68) não podem ser desligadas deste tipo de oferta formativa, sendo prévias à sua operacionalização e não sendo asseguradas através da criação de materiais de divulgação (A67).

 

Em síntese, o documento Plano Estratégico para a Aprendizagem do Português como Língua Estrangeira resulta numa listagem de ações pouco fundamentadas, algumas de índole meramente burocrática, muitas vezes pouco significativas e limitadas no seu impacto, redundantes e pouco articuladas. Parece-me difícil que algo de positivo resulte desta manifestação de intenções, que corre o risco de não passar disso mesmo.