Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade

Gestão da heterogeneidade

por Susana Maria Almeida Piedade Rabumba -
Número de respostas: 1

Reflexão – gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: caso prático.

 

 

Sendo o professor aquele que abre caminhos e que perante a diversidade de recursos pedagógicos existentes é o que escolhe, perante o perfil dos aprendentes, parece-me, bem a escolha levada a cabo pela Raquel Pereira, que atendendo à vincada heterogeneidade (diferenciação interna), procurou encetar na sala de aula uma aprendizagem socio-construtiva (premeia a dimensão intercultural, por conseguinte, é inclusiva), isto é, a metodologia da diferenciação pedagógica. Só assim, poderia atender a cada um dos perfis socioculturais e acolhê-los. 

Não existindo métodos ou estratégias absolutas, esta é a que vai ao encontro das necessidades dos aprendentes, colocando-os no centro dos processos de ensino aprendizagem, dando-lhes feedback quanto ao seu desempenho, partindo do que sabem, assumindo que têm experiências anteriores, vivências anteriores (língua/cultura/etc.), ritmos de aprendizagem próprios, abrindo-lhes caminhos, etc... 

 

Pressupostos:

  • Trabalho individualizado
  • Técnicas flexíveis – trabalho de equipa (havendo diversidade)
  • Adaptações curriculares – flexibilidade - gerir o currículo* – cada aluno com um processo de aprendizagem (começar no ponto onde se está; estabelecer objetivos de aprendizagem baseados nas capacidades particulares dos alunos).
  • Autorreflexão por pate dos alunos – consciência do seu ritmo e das aprendizagens a alcançar e alcançadas – processo que pretende ser motivador e estimulante.

 

 

*carece duma planificação ativa por parte do professor

 

Assim, Raquel Pereira considerou ser esta metodologia adequada para a turma migratória heterogénea quer a nível linguístico, quer ao nível cultural. 

 

Heterogeneidade é sinónimo de riqueza cultural e valoriza o contexto educativo. 

 

Admite que em sala de aula a aplicação da metodologia seja um processo complexo! Porquê?

 

Exige do professor/mediador: esmero; rigor; dedicação; estabilidade; regularidade; fluência; coerência, deve estar constantemente alerta e atento

Para o quê?

 

Para as irregularidades na assiduidade e entrada de novos aprendentes (flutuação e oscilação constantes – características intrínsecas da turma. 

 

Esta entrada de novos aprendentes provoca o quê?

Exige uma constante reavaliação e readaptação por parte do professor para se manter o acolhimento e a integração (inclusão). 

 

Planificação não muito longa, focar-se na aprendizagem essencial; capacidade de ser flexível e dividir atenções.

 

Do estudo de caso que li verifiquei a heterogeneidade da turma e anotei as estratégias que foram sendo implementadas, passando de seguida a elencá-las, de forma muita sucinta, e a tecer algumas considerações.

 

  1. Ficha de identificação (com informação importante = Ficha sociolinguística);
  2. Teste diagnóstico (para enquadrar os alunos no nível de proficiência adequada – nota: foi aplicado a todos, quando sabemos que estão cá há muito pouco tempo e não tiveram contacto com o Português, dispensa-se da realização deste teste; ou seja, por meio da Ficha poder-se-ia chegar aqui.);
  3. Aferiu as características gerais do grupo: não coeso; assiduidade irregular e ritmos de aprendizagem diferentes – razão: cumprimento de obrigações profissionais (por isso se exige flexibilidade da parte do professor/avaliador); por meio da Ficha soube quem gostava de trabalhar em grupo, ou de forma individual – tratou de conhecer os aprendentes, os seus gostos e as suas motivações.
  4. Planificou e adaptou recursos doutra colega - trabalho colaborativo ressaltado no documento Ei (Educação pela integração). 
  5. Fez uso de diferentes manuais/gramáticas/caderno de exercícios adaptados às diferentes realidades – verificou uma grande falta de materiais para as alunas russas. 
  6. Esteve atenta e flexível para mudar de estratégia quando verificou que a usada não estava a surtir o efeito desejado: TPC – primeiro fazia a correção em grupo, depois passou para a correção individual o que permitiu fazer anotações, ou seja, dar o feedback que é tão importante para motivar o aluno e orientá-lo. Porém, quando os alunos faltavam tinham de fazer os trabalhos das aulas cujas faltas decorreram!!!!!!! Parece-me uma incongruência e mesmo uma sobrecarga para os alunos e que poderia ter tido como consequência a desistência da frequência, pois os alunos explicavam os motivos das faltas e muitas delas decorriam de obrigações profissionais (a faixa etária dos 14 alunos, compreendia os 22 aos 55 anos). A justificação apresentada pela autora: tinha de haver “coerência entre o que tinha sido abordado e o que seria abordado nas unidades letivas seguintes”. Creio que, neste âmbito deveria ter dado um passo atrás, fazendo o que fazia quando, por exemplo entravam alunos novos durante o ano... 
  7. Planeou aulas com tópicos de discussão interessantes – fator da motivação e da integração dos gostos dos alunos (fez uso da informação vertida na Ficha inicial).
  8. Estabeleceu uma relação de proximidade com os alunos: festejo de aniversários; comemorações de épocas festivas – partilha, inclusão.
  9. avaliação fazia-se por observação direta: correção de  trabalhos   e de exercícios. Quando apresentavam trabalhos oralmente, ouvia-os até ao final e ia fazendo apontamentos; no fim dava-lhes feedback dos erros/falhas decorrentes do discurso oral – o feedback deve sempre ser dado em tempo certo.
  10. Só uma aluna foi avaliada sumativamente e com nota positiva. As duas avaliações tinham pesos iguais: contínua 50% e sumativa 50%. Dentro da sumativa o domínio da Escrita valia 30% e o domínio da Oralidade 20% (5 minutos para falar do seu país/cultura, etc.). Não são avaliados os restantes domínios e parece-me muito para a Escrita, sabendo que é sempre mais difícil a expressão escrita do que a oral. Como estavam todos no nível A1 e A2 os critérios eram iguais... comparativamente com os critérios de avaliação disponibilizados pelo Formador (da sua Escola), verifico uma maior amplitude nesta área da avaliação, sendo que a avaliação formativa ou contínua tem um papel preponderante: 60% mais 10% e apenas 30% para os testes escritos para os dois níveis, com descritores diferentes, como seria lógico. 
  11. Criou grupos de trabalho entre os alunos, permitindo que as alunas russas fizessem uso de ferramentas de auxílio para desempenharem o mesmo trabalho das outras de origem hispânica – ou seja, promovendo a diferenciação pedagógica invisível ou implícita. Ou seja, aqui também premiou os ritmos de aprendizagem diferentes entre os alunos – heterogeneidade.
  12. Iniciava as aulas, promovendo, mediando a interação comunicativa:
    diálogos; dramatizações; partilha de rotinas; etc...
  13. Percebeu que estava a ser demasiadamente ambiciosa no que se refere às planificações...foi desprendendo-se à medida que foi refletindo sobre as suas práticas: deu lugar a mais espaço para a instrução e explicações e exercícios mais simples. 
  14. Estabeleceu a ajuda entre pares – facilita bastante a inclusão e, por conseguinte a aprendizagem quando se está num nível A1 como o caso das russas. As lituanas ajudaram, porque tinham noções de russo. 
  15. Por fim, usou uma estratégia, para ela enquanto professora, mediadora, facilitadora, integradora, através dum Questionário anónimo para aferir as suas práticas. Estes momentos de heteroavaliação são sempre importantes.

 (Fim)

 

Em resposta a 'Susana Maria Almeida Piedade Rabumba'

Re: Gestão da heterogeneidade

por João Paulo Pereira -
Cara Susana
Fez uma análise cuidada das estratégias utilizadas pela docente Raquel Pereira. Identificou redundâncias (aplicar o teste de diagnóstico a alunos sem quaisquer conhecimentos de Português), incongruências (nos critérios de avaliação) e questionou muito bem a aplicação de determinadas estratégias (como a dos trabalhos de casa como forma de resolver a falta de assiduidade dos alunos). Identificou também corretamente as estratégias que se inserem na pedagogia diferenciada. Só faltou mobilizar alguma da bibliografia sugerida (que vai ao encontro do que diz). Mas reitero o facto de ter feito uma excelente análise.
Para complementar o que disse (assim como para o confirmar), deixo-lhe a minha própria reflexão.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).