Reflexão/Discussão: Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

Comentário - Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira.

Comentário - Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira.

by Dulce Maria Pereira Marques -
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COMENTÁRIO ao Plano Estratégico Para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

O documento em análise reúne um conjunto de medidas que pretendem dar resposta às necessidades para aprendizagem de Português como Língua Estrangeira quer em território nacional quer junto das comunidades no estrangeiro, envolvendo diferentes agentes na promoção, organização ou concretização do processo.

Assim, o documento propõe cinco eixos de atuação, com objetivos bem definidos para os quais são propostas medidas e atividades em específico.

No Eixo 1, cujo objetivo é incentivar o domínio da língua portuguesa, parece-me muito interessante, nomeadamente no que respeita ao seu principal responsável – AIMA. Diria até demasiado ambiciosa se considerar este papel de destaque que lhe é dado, uma vez que é esta mesma AIMA que, até á data, apresenta inúmeras dificuldades em conseguir dar resposta à situação de regularização de documentos dos mesmos migrantes a quem se propõe organizar todo um processo de divulgação/organização do projeto de aprendizagem da Língua Portuguesa como Língua Estrangeira.

Efetivamente, apenas na parte que respeita à adoção de medidas de simplificação de inscrição é que surgem as entidades ANQEP, DGestE, IEFP e Camões IP. Na prática, atualmente, assistimos a um cenário de “simplificação” bem mais complexo, em que o migrante, sem os documentos que a AIMA tarda em emitir ou resolver, não pode inscrever-se em cursos PLA, no caso dos adultos, pois com crianças e jovens a situação é diferente.

Para além disto, resultado da mudança de governo, outras novidades se aguardam, ao que parece dificultando mais o processo de inscrição, revelando que o Plano em questão está um pouco aquém da sua calendarização e execução prevista. No entanto, é de destacar pela positiva a intenção da AIMA em querer fazer um mapeamento da oferta formativa para informar os interessados no mesmo espaço onde regularizam os documentos.

Outra das intenções francamente positivas passa pela preocupação com a inclusão de mulheres e meninas, propondo aqui uma abordagem “simpática” a uma barreira proveniente de culturas em que a religião se apresenta como modelo demasiado “medieval” ao que estamos acostumados no país mais a ocidente da Europa.

Ainda a propósito das medidas sobre a oferta formativa, pareceu-me haver aqui uma lacuna em referir o acesso à oferta formativa no interior dos Estabelecimentos Prisionais (EP) do país, em que a população estrangeira é crescente, resultado de todo o contexto em que é evidente o total desconhecimento do sistema legal e judicial do país. Nestes casos, resta também sugerir algumas medidas de exceção para a inscrição dos reclusos indocumentados (alguns por via da captação dos documentos por parte do explorador, por exemplo) ou que dada a sua situação não conseguem regularizar/atualizar a sua documentação.

No Eixo 2, no domínio da M2.2, que pretende definir um perfil para os docentes de PLNM ou PLA, PLE, PLH, por um lado, sou totalmente a favor de que é preciso dotar os docentes de competências específicas para este efeito. Por outro lado, atendendo às atuais dificuldades que existem em ter docentes que preencham as necessidades do sistema educativo nacional, parece-me demasiado ambicioso exigir ainda “formação especializada ao nível de mestrado”, principalmente quando só existe oferta formativa em universidades do litoral centro e norte do país, deixando para trás as regiões do interior e sul, também as que mais procura têm para este tipo de formação dadas as suas demandas.

Depois, como docente, parece-me demasiado que tenha de ser um mestrado quando já temos formação ao mesmo nível, no caso pós-Bolonha, ou licenciatura com as devidas cadeiras didático-pedagógicas exigidas para a prática docente.

Quanto às ações de formação, julgo que a presente ação já é um importante contributo à M2.4, conferindo um nível de competências bastante considerável aos docentes que a frequentaram.

Sobre a M2.5, parece-me oportuno referir que o AE2Beja já tem este programa em prática, recorrendo a voluntários que davam apoio ao nível da alfabetização, muito embora seja ainda difícil a sensibilização da comunidade escolar para a questão do acolhimento dos migrantes a frequentar os cursos PLA.

No que se refere à A30, o grupo de professores PLA do AE2Beja é já um bom exemplo de criação e partilha de materiais /recursos pedagógicos que tenta dar resposta aos desafios diários de 11 turmas PLA. No entanto, ao nível das editoras, por exemplo, nota-se ainda um insuficiente número de recurso digitais de apoio ao PLA, apesar de já existirem, embora em número reduzido, para o PLNM. Aguardamos a A38 – realizar webinars temáticos – para uma abordagem mais atual e completa.

No meu ponto de vista, o Eixo 3Reforçar a oferta formativa – é o mais aguardado, atendendo ao crescente número de migrantes que estão no país e que precisa urgentemente de começar a adquirir competências linguísticas para melhor implementar o seu processo de integração no país, destacando aqui a importância de entidades como a ANQEP, através dos Centros Qualifica, DGestE e IEFP.

No entanto, em parte alguma do documento é referido o importante papel dos empregadores no sentido de colaborar e facilitar aos seus empregados a frequência dos cursos PLA, ajustando/ flexibilizando os horários de trabalho, o que me parece fulcral na democratização do acesso à igualdade de oportunidades.

O documento refere a inclusão pela cultura e pelo desporto ou pelo ensino, mas não aborda aqui a questão laboral, em que o contato entre nacionais e migrantes também promove a aprendizagem.

No Eixo 4 - Promover o reconhecimento da certificação das competências em LP- considero deveras importante a A58 na medida em que, por diversas vezes, temos migrantes a desistir das suas aulas de PLA por incompatibilidade dos horários de trabalho. Assim, o digital seria uma forma de colmatar esta lacuna ao nível da aprendizagem da língua, bem como da sua avaliação e certificação.

Também o reforço da periodicidade da PaN me parece uma mais-valia, na medida em que esta seria a forma para agilizar os processos de legalização e de acesso à nacionalidade, para os interessados.

O Eixo 5Incrementar a disponibilização e utilização de ferramentas digitais – é um dos eixos que mais atenção merece por ser o que permitiria eliminar alguns constrangimentos referidos nos eixos anteriores.

Aqui, considero o papel de destaque que as entidades promotoras dos cursos poderiam ter, que mais não fosse em situação 50/50 (presencial/digital).

Efetivamente, a utilização de ferramentas digitais seria um importante fator de apoio ao trabalho dos docentes e aos migrantes, desde que possuíssem a adequada capacitação digital, mediante um acesso obtido através da matrícula ou inscrição numa das entidades parceiras, onde o professor poderia ter um papel semelhante ao do tutor no apoio a situações de mais difícil resolução à distância.

Porém, também traria desvantagens, como a credibilidade em saber que era de facto o aluno/formando a resolver as tarefas ou uma outra pessoa, sem o acesso ao tradutor digital, o que também é inibidor no desenvolvimento da autonomia na aquisição de competências linguísticas.

Em suma, este Plano apresenta um conjunto de medidas e atividades que poderão vir a fazer a diferença na vida da população migrante aquando da sua implementação, mas também nas entidades que já têm ações de formação neste âmbito. Também aguardo que o atual governo leve a cabo esta missão que, muito embora não tenha sido desenhada por si, tem os seus aspetos positivos e outros negativos que podem vir a ser corrigidos.   A meu ver, todos aguardamos que os seus efeitos contribuam para a melhoria nas relações entre quem chega e quem está, promovendo uma cultura de acolhimento e integração mais benéfica para todos.