Reflexão/Discussão: Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira

Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira.

Plano Estratégico para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira.

por Virgínia Gomes -
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     O Plano Estratégico elaborado para a Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira surge como resultado de uma negociação política e global, de um entendimento comum, constituindo um compromisso de várias organizações governamentais, não-governamentais e outras entidades em encontrar soluções e estratégias para gerir e corresponder de forma mais eficaz às mutações sociais derivadas do aumento crescente do fluxo migratório que tem vindo a implicar necessariamente uma transformação em Portugal no que concerne às mentalidades, aos modos de atuação, de ação, de integração e acolhimento da parte de todos os agentes intervenientes. A meu ver, ao longo do Plano Estratégico denota-se, nos vários eixos estratégicos de atuação que se prevê um aumento bastante significativo de estrangeiros, em Portugal, a curto, médio e longo prazo pelos indicadores, objetivos e metas a alcançar através das várias entidades responsáveis pela integração, inclusão e acolhimento dos mesmos. Tal como é referido no Plano Estratégico, embora o ensino da língua portuguesa tenha sido até ao momento atual uma das áreas de intervenção prioritárias, o seu processo de ensino-aprendizagem formal, quer no contexto formativo, quer no contexto escolar, de facto, ainda não está devidamente implementado, coexistindo várias formas de reconhecimento, atuação e de adaptação, não sendo ainda claramente consistente e eficaz a sua correspondência face à multiplicidade de perfis de migrantes oriundos de uma diversidade de países com realidades tão distintas a todos os níveis, sobretudo no que respeita à língua, à cultura, à religião, às vivências pessoais, profissionais e experiências de vida no geral.

     Tendo em conta a minha experiência como formadora e professora de 3.º ciclo e secundário da língua portuguesa, língua francesa, formadora acreditada na sensibilização à educação especial na divulgação da Língua Gestual Portuguesa, e alguns conhecimentos científico-pedagógicos que possuo na área do PLNM e o do PLA, após a leitura do Plano Estratégico surgem-me algumas dúvidas, questões, algum desconhecimento talvez, sobre o papel interventivo da AIMA em parceria com as outras entidades públicas referidas, do contexto formativo, educacional e escolar sendo um serviço que apenas foi criado em junho de 2023 substituindo, em algumas competências, o anterior Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e que não tem ainda correspondido eficazmente a tantos pedidos de migrantes, como é do conhecimento público.

     No Plano Estratégico, no Eixo 1 – Incentivar o domínio da língua portuguesa, a AIMA surge quase como a exclusiva promotora, a seguir o IEFP, de ações de sensibilização, promoção, melhoria das condições das ofertas formativas, medidas, procedimentos, de criação de materiais de divulgação da aprendizagem da língua portuguesa, na ampliação do acesso à informação sobre a aprendizagem da língua portuguesa, de serviços de tradução da AIMA junto de todas as entidades promotoras de cursos PLA, com especial enfoque junto de técnicos/as administrativas/as. Como serão postas em prática todas estas intenções e ações, a elegibilidade, encargos e apoios sociais a migrantes? Que formação terão estes referidos técnicos administrativos? Que perfil terão estes agentes intervenientes e como será feito o recrutamento? Estarão e/ou serão estes técnicos intervenientes da AIMA promotores e divulgadores da aprendizagem da língua portuguesa como língua estrangeira nas Escolas? De que forma efetiva e consistente?

Quanto ao Eixo 2 – Reforçar os recursos disponíveis para o ensino-aprendizagem da língua portuguesa, para mim, é o eixo estratégico que apresenta mais dúvidas na sua aplicabilidade e ajustamento equitativo. Tendo em conta as várias medidas e atividades descritas neste eixo, considero que há alguma ambiguidade quando referem que para reforçar os recursos disponíveis para o ensino-aprendizagem da língua portuguesa deve ter-se em conta a Flexibilização do perfil de docentes e formadores/as que podem ministrar os cursos PLA, alterar a Portaria n.º 183/2020, de 5 de agosto, no sentido de flexibilizar o perfil de docentes e formadores/as, em que intervêm a AIMA, ANQEP, DGAE, IEFP e na definição de um perfil para a docência que considere, para além da qualificação profissional para o ensino do Português e de Línguas Estrangeiras (LE), nos Grupos de Recrutamento 110, 200, 210, 220, 300, 310, 320 e 330, a posse de formação especializada ao nível de mestrado na área do português (PLNM, PLE, PLH, PLA…) por parte de titulares de qualificação profissional ou de habilitação própria para outros grupos de recrutamento.

     O Plano refere a criação de cursos superiores em ensino do português no contexto do acolhimento e integração de migrantes, em parceria com instituições do ensino superior, que concorra para o perfil definido em termos de recrutamento e o reforço de formação sobre especificidades do PLA nos cursos de pós-graduação já existentes, mas por outro lado, também refere a Criação de uma Bolsa de Professores/as, Formadores/as e Voluntários/as para o ensino da língua portuguesa e criação de uma listagem, a nível nacional, de Professores/as, Formadores/as e Voluntários/as para o ensino da língua portuguesa, para disponibilização no sítio Web da AIMA.

     Penso que o Plano Estratégico, neste Eixo, coloca várias possibilidades, hipóteses de perfis de docentes, não sendo efetivamente consistente, uma vez que ora propõe docentes formados na área, ora propõe voluntários, certamente para obter garantia de recursos disponíveis. Com base na minha experiência e na necessidade de me formar e atualizar neste domínio, penso que há uma lacuna enorme no que respeita ao acesso à formação especializada, sendo que os mestrados e pós-graduações no contexto de PLNM e PLA são quase inexistentes a nível nacional. Deveria haver efetivamente mais flexibilização, celeridade e simplificação na criação destas formações superiores específicas em PLNM e PLA que permitissem sobretudo aos docentes dos Grupos de recrutamento anteriormente mencionados, tal como no meu caso, aceder com celeridade a formação superior que fosse burocraticamente mais simplificada de forma a poder no imediato ministrar formação e dar aulas nos contextos de PLNM e PLA. Para tal urge também criar e disponibilizar crédito horário nas Escolas para docência na área. Se é de facto tão urgente dar resposta a esta necessidade de aprendizagem da língua portuguesa como língua estrangeira, porque é que as políticas educativas não operam e simplificam os procedimentos concursais através da DGAE, do IEFP? Porque é que docentes dos Grupos de docência de língua portuguesa e estrangeira não veem reconhecidas as suas competências e experiências no ensino e na formação para serem colocados com mais flexibilidade e celeridade? Porquê tanta morosidade nos processos de recrutamento e a necessidade de se fazer pós-graduação e/ou mestrado se existem formações específicas tão relevantes para uma docência eficaz de PLNM e PLA?

Estas questões remetem-me para experiências que tive enquanto formadora de Língua Gestual Portuguesa num tempo em que ainda não existia a licenciatura nem outros cursos superiores que vieram a ser implementados e certificados para a docência efetiva através da DGAE com um grupo de recrutamento específico. Menciono por ser também referida no Plano Estratégico. Nesse tempo em que fui voluntária numa Associação de Surdos, em que tive formações para aprender LGP, em que pus em prática na Associação e depois a ensinei a públicos ouvintes específicos, sendo que havia também tantos obstáculos e entraves no processo de ensino/aprendizagem da parte de quem formava e/ou lecionava, uma luta que passados muitos anos chegou a bom porto, em que finalmente criaram cursos de LGP e formaram docentes específicos na área, porém que descartou os que já conheciam e tinham experiência na sua lecionação. Do conhecimento que tenho, não faz muito sentido surgir no Plano Estratégico, porque cada país tem a sua Língua Gestual e dada a sua complexidade gramatical e lexical através dos gestos, serão quase inexistentes os formadores ou professores que dominam outros idiomas gestuais. A não ser que esteja referenciada no Plano por estar disponível ao cidadão surdo português. Tratando-se de aprendizagem de língua portuguesa como estrangeira só fará sentido a LGP ser aprendida se o aluno ou formando estrangeiro dominar também a língua gestual do seu país, caso exista, para poder ter uma referência de base.

     Por fim, destaco o Eixo Estratégico 5 por implicar mais e novos recursos humanos e de tecnologia móvel referente a Incrementar a disponibilização e a utilização de ferramentas digitais. É desejável e necessário, atendendo ao facto que se vive numa Era Global em que impera o Universo Digital, nomeadamente no fomento de ambientes híbridos de aprendizagem em que as ferramentas digitais são, sem dúvida, um complemento, um enriquecimento no processo de ensino/aprendizagem sobretudo no caso específico da aprendizagem do PLNM e PLA que permite não só complementar e reforçar a aprendizagem da língua portuguesa como língua estrangeira, como promover outras competências linguísticas, comunicativas, de interação, autonomia, autovalorização, ubiquidade e maior integração social. Para tal, também é necessário que os alunos e/ou formandos migrantes tenham capacitação digital.

     Há de facto uma pluralidade de condicionantes na promoção de diferentes cenários de aprendizagem. Até chegar às desejadas metas, espero que este Plano Estratégico teoricamente bem concebido permita efetivar e implementar na prática com eficácia e celeridade medidas que permitam que os migrantes acedam facilmente à aprendizagem formal e certificada da língua portuguesa para além de outras condições que lhes permitam viver, conviver, comunicar e integrar-se com mais dignidade e humanidade no país de acolhimento, Portugal.