Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Método e estratégias utilizadas pela professora Raquel Pereira

Método e estratégias utilizadas pela professora Raquel Pereira

por Maria João Simões Alves -
Número de respostas: 1

Breve comentário sobre o método e as estratégias utilizadas pela professora Raquel Pereira para lidar com a heterogeneidade das aulas de Português Língua de Acolhimento, feito por quem nunca lecionou Português Língua de Acolhimento.

-Como avalia as estratégias utilizadas por esta professora?

As estratégias utilizadas pela professora Raquel Pereira parecem-se bastante adequadas e diversificadas para uma turma que se caracteriza por uma vincada heterogeneidade. A professora procurou usar vários recursos para responder o mais eficazmente possível à realidade com que se deparou...

Considero que a professora ponderou e escolher as estratégias que considerou mais eficazes, após ter feito uma análise cuidada da ficha de identificação, na qual teve o cuidado de recolher informação sobre a preferência do método de trabalho em sala de aula, os interesses pessoais, as expectativas (ponto de partida para diferentes abordagens nas temáticas),...Pese embora, falta alguma informação relativamente à forma como a ficha de identificação foi facultada aos alunos e percecionada pelos mesmos (língua, explicitação dos conceitos mais complexos, forma presencial,...). Também as conclusões do teste diagnóstico permitem identificar logo numa fase inicial as principais limitações e procurar estratégias de as superar, assim como permitem reconhecer aspetos comuns que facilitam a criação de grupos de acordo com os níveis de proficiência. Não obstante, também falta alguma informação sobre o momento e moldes em que o supracitado teste foi passado, de modo a não haver enviesamento dos dados.

Não obstante, apesar de considerar que a estratégia de partilha de produtos típicos do país de origem (que estes trazem) com a turma seria um bom ponto de partida, uma vez que fomenta o sentido de pertença e deste modo, promovia o espírito de coesão do grupo e fomentava a assiduidade, verifiquei que, em princípio, o mesmo não surtiu efeito desejado, pois nas conclusões finais apresentou como fragilidades: "o grupo não se registou sempre coeso e uno" "Natureza volúvel e instável, quer no que diz respeito à assiduidade..."
Esta partilha deveria ser, sem dúvida, um mote que promovesse diferentes aprendizagens, pois está intrinsecamente relacionada com outras estratégias: criação de tópicos de discussão para criar interesse ou motivar os alunos, com base em asptos culturais (neste caso gastronómicos) e dados pelos próprios alunos.

- Quais as estratégias que acha que resultaram melhor?

Na minha opinião, a produção de materiais com base em recursos para aprendentes de LM específicas é uma mais valia, uma vez que os materiais foram criados tendo em consideração o grupo e todas as suas especificidades (incluindo os seus interesses) e a divulgação dos mesmos poderia ser de diferentes formas: recorrendo a jogos, digital, em diferentes suportes,...

Também, a estratégia de solicitar a participação ativa dos aprendentes na resolução de exercícios importantes das unidades temáticas em que apresentaram menos frequência parece-me adequada, porque desta forma os aprendentes sentem-se mais implicados, procurarão ser mais responsáveis e tentarão recorrer ao trabalho colaborativo, com a ajuda dos pares que estiveram presentes.

De igual modo,  a constituição de grupos flexíveis de acordo com o nível linguístico, da proximidade da língua e dos ritmos de aprendizagem, possibilita que cada aprendente vá aprendendo ao seu ritmo, aspeto que, em articulação, com a estratégia do trabalho de casa, para efeitos de revisão e sistematização ( e registo das dificuldade individuais) se apresenta como uma mais-valia, desde que o mesmo seja aplicado tendo em consideração a autonomia do aprendente, as suas capacidades  e a sua carga laboral.

- Que outras estratégias adotaria (tenha em conta alguma da bibliografia proposta para esta sessão)?

De acordo com o Livro "Português para falantes de outras línguas", considero que uma estratégia possível para captar o interesse dos aprendentes e para promover a diversidade cultural poderia ser fazer uma breve biografia de uma personalidade e apresentar cronologicamente das datas mais importantes do seu percurso de vida. Posteriormente a professora poderia escrever algumas frases sobre essa personalidade e escrever uma lista de conectores textuais para os aprendentes completarem as frases, articulando corretamente as ideias. (Esta dinâmica poderia ser aplicada noutro contexto e poder-se-ia recorrer a filmagens das apresentações.)

Escolher um ou dois poetas/ escritores do seu país e falar da sua obra. Escrever tópicos sobre dois ou três poetas/ escritores portugueses. Posteriormente, em conjunto, construir um dossiê temático sobre a literatura dos diversos países. (Este dossier poderia ser digital e ir-se completando com diferentes artistas.)
 
 

Comparar provérbios, expressões fixas e idiomáticas e ver de que forma têm ou não têm o mesmo tipo de significado. Elaborar um portfólio com as expressões, conceitos e imagens relacionadas. (O portfófio estaria em constante construção.)

Em suma, estas estratégias que, com este distanciamento, me parecem adequadas poderiam ter de ser completamente reformuladas ou substituídas caso verificasse in loco que não surtiam o efeito desejado.

Em resposta a 'Maria João Simões Alves'

Re: Método e estratégias utilizadas pela professora Raquel Pereira

por João Paulo Pereira -
Cara Maria João
Concordo no essencial com a análise que faz. Tenho, no entanto, algumas reservas em relação à estratégia de usar os trabalhos de casa como sistematização dos conteúdos e para fazer o levantamento das dificuldades dos aprendentes.
Considero pertinentes as sugestões apresentadas. Sobretudo a de utilizar um instrumento regulador de aprendizagem como o portefólio. Este poderia juntar-se a outros como o plano individual de trabalho, o que permitiria estabelecer objetivos gerais e específicos que facilitariam o trabalho de professor e aluno.
Deixo-lhe a minha visão deste caso, para complementar a sua análise.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).