O documento Inclusão de alunos migrantes em meio educativo parece-me um bom recurso, que pretende responder a dificuldades concretas de integração sentidas nas escolas. Porém, há algumas críticas que se podem fazer à sua redação.
Nos últimos anos, Portugal, como outros países da EU, tem recebidoum número crescente de migrantes no seu sistema escolar e aos quais tem tentado oferecer respostas educativas, que nem sempre são adequadas aos contextos. Uma das primeiras críticas que se podem fazer é a falta de qualificação do pessoal docente e não docente para esta realidade, pois não basta senso comum, empatia ou boa vontade. Na verdade, o documento em análise avança sugestões, como a tradução de ementas, que parecem denunciar um desconhecimento da descentralização que levou as autarquias a serem responsáveis pelos estabelecimentos escolares, e pelas ementas/cantinas, por exemplo. Toda a responsabilidade recai sobre a escola, quando deveriam ser criadas equipas multidisciplinares que envolvessem também as câmaras, a Segurança Social, AIMA e o Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes.
Por outro lado, é recomendado que todos os professores tenham competências em Línguas Estrangeiras e demonstrem interesse pelo aluno e pela sua língua materna, usando, no grupo, algumas palavras-chave nessa língua. E se houver 10 nacionalidades diferentes? E se numa turma houver um muçulmano e um israelita, ou russos e ucranianos? Na minha opinião, deve insistir-se mais no português, com recurso a imagens, tecnologias várias, e menos nas traduções, ainda que se valorizem aspetos da cultura de origem dos alunos. Além disso, há competências que se sobrepõem, visto que, por um lado, na Portaria nº 223-A/2018 de 03-08-2018, artigo 13º, número dois, se diz que compete ao diretor da escola autorizar a dispensa da frequência de uma língua estrangeira, nos 2.º e 3.º ciclos, aos alunos recém-integrados no sistema educativo, provenientes de sistemas educativos estrangeiros, cuja língua materna não é o português. No entanto, uma das competências da subdiretora-geral dos estabelecimentos escolares é “autorizar a dispensa da frequência de língua estrangeira I e ou II a alunos provenientes de sistemas educativos estrangeiros” (despacho 12483/2021, de 22 de dezembro). No ano letivo de 2022/23, o pedido de dispensa feito à tutela pela escola onde eu estava a lecionar foi recusado. Assim, podemos concluir que há dualidade de critérios e contradições de diversa ordem.
Por fim, no que diz respeito à EMAEI, o documento fala em aplicar medidas universais, mas depois só detalha medidas seletivas, nomeadamente (v. Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, art.º 9º):
a) Os percursos curriculares diferenciados;
b) As adaptações curriculares não significativas;
d) A antecipação e o reforço das aprendizagens;
e) O apoio tutorial.
Assim se percebe que nem quem redigiu o documento parece estar à vontade com todas as questões pedagógicas que estão aqui envolvidas. Curiosamente, não parece ser dada relevância ao apoio individualizado por psicólogos escolares, quando é fundamental, para integrar alunos com conceções socioculturais muito díspares, alguns revoltados com as transformações na sua vida, com saudades e até, em alguns casos, com traumas de guerra, para quem tutorias e mentorias não são suficientes.
Em suma, o simples facto da existência deste documento expõe a grande fragilidade do acolhimento de migrantes, a saber, a dispersão da legislação, feita quase de improviso sem auscultação de quem está no terreno, em algumas situações, as dificuldades de acesso à informação de qualidade e a falta de coordenação entre a tutela e as escolas. Sem dúvida que este documento é uma mais-valia, mas ainda demorará até haver um sistema verdadeiramente inclusivo para os migrantes nas escolas portuguesas.