Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: caso prático

by Ana Costa -
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Ainda que não tenha nenhuma experiência na lecionação de aulas de PLA, mas sendo professora de Português e Francês, reconheço que se trata de uma área muito específica dentro do estudo de línguas estrangeiras e não pode ser uma simples adaptação do PLE.  De facto, os docentes de PLA confrontam-se com um desafio que vai para além de ensinar uma língua, já que, simultaneamente, também estão a fazer um trabalho de acolhimento e integração de um público com as mais diversas trajetórias de vida, muitas vezes marcadas pela vulnerabilidade afetiva, social e económica, e proveniente das mais variadas culturas. Estas idiossincrasias têm obrigatoriamente implicações nas opções pedagógicas de quem ensina PLA.

Assim, à luz deste contexto, as estratégias delineadas pela professora Raquel Pereira, globalmente, são adequadas.

 Face a uma “vincada heterogeneidade”, a docente optou pela diferenciação pedagógica, como a própria refere, na tentativa de promover uma resposta educativa adequada às necessidades do grupo de aprendentes. Os dados recolhidos através do preenchimento da ficha sociolinguística e do teste diagnóstico confirmaram essa heterogeneidade do grupo e consequente necessidade da referida pedagogia diferenciada, já anunciada no tópico da ficha que pretendia conhecer as preferências dos alunos quanto ao “método de trabalho em sala de aula”.

Constituiu grupos flexíveis de acordo com o nível linguístico, a proximidade da língua e ritmos de aprendizagem, favorecendo a aprendizagem cooperativa, e adaptou materiais pedagógicos existentes, nomeadamente para alunos de LM específicas, o que me parece uma boa opção.

A estratégia do trabalho de casa para efeitos de revisão, sistematização e registo das dificuldades individuais, na minha perspetiva, pode não ser a mais eficaz, tendo em conta a frequente falta de tempo de muitos destes alunos para dedicar ao estudo autónomo e a sua falta de assiduidade. No entanto, depende do tipo de trabalho solicitado. Tarefas curtas e/ou em suporte digital, com recurso à gamificação talvez sejam as mais adequadas, estas, porém, também exigem o recurso a tecnologias adequadas que estes alunos nem sempre possuem.

Penso que o recurso a estratégias mais lúdicas como jogos, músicas ou técnicas de roleplaying será mais motivador para os aprendentes e poderá até ser um fator para melhorarem a sua assiduidade.

A criação de tópicos de discussão para despertar interesse ou motivar os alunos, com bases em aspetos culturais e dados dos próprios alunos também vai ao encontro da pedagogia diferenciada e é uma estratégia que permite desbloquear a comunicação oral, a partilha de experiências e a criação de um ambiente afetivo e de respeito pelo outro, propiciador de aprendizagens significativas.

 A docente manifestou também preocupação com o acolhimento, a integração e a promoção do diálogo intercultural, ao incluir nas suas estratégias a partilha de produtos típicos do país de origem dos alunos com a turma, proporcionando mais um momento de aprendizagem afetiva.

Julgo que as duas últimas estratégias terão sido as que resultaram melhor.

Por fim, à exceção do teste diagnóstico, não se encontra nenhuma outra referência à avaliação e aos instrumentos reguladores da aprendizagem. Considero que a avaliação formativa contínua e o feedback frequente dado aos alunos assumem uma importância enorme para que professora e alunos percebam o que podem melhorar no processo de ensino e aprendizagem e, deste modo, as aprendizagens possam ser de qualidade e os resultados obtidos na avaliação sumativa sejam positivos.

Concluindo, a escolha do método e das estratégias para lidar com a heterogeneidade nas aulas de PLA é um desafio constante e a professora Raquel procurou responder-lhe da maneira que considerou ser a mais adequada, atendendo às várias dificuldades e constrangimentos com que teve de lidar, e, de um modo geral, penso que adotou estratégias eficazes.

In reply to Ana Costa

Re: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: caso prático

by João Paulo Pereira -
Cara Ana
Faz uma análise muito atenta e correta da ação pedagógica da docente Raquel Pereira. Só faltou mobilizar alguma da bibliografia que sugeri, como era solicitado.
Para complementar, e confirmar, o que escreveu, deixo-lhe a minha própria reflexão sobre este caso.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).