Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

por Rita Serrano -
Número de respostas: 1

Não tenho experiência no ensino de PLA, no entanto, creio que, de um modo geral, as estratégias adotadas pela professora Raquel Pereira foram adequadas.

Numa primeira fase, a professora aplicou a ficha de identificação, que me parece muito importante antes de iniciar o ensino de uma língua e que me pareceu bastante completa, bem como o teste de posicionamento linguístico. Através da aplicação destes dois instrumentos, foi possível perceber alguns aspetos fundamentais de cada formando:

  1. Quais os domínios da língua de acolhimento que necessitavam de um maior trabalho (produção escrita e o campo lexical), logo apresentavam um diferente nível de proficiência linguística em relação aos restantes domínios;
  2. Quais os ritmos de aprendizagem;
  3. A facilidade na aquisição da língua de acolhimento.

Numa segunda fase, aplicou várias estratégias tendo em consideração a informação que recolheu previamente, porém, parece-me que a estratégia que melhor terá resultado foi a partilha de aspetos e produtos culturais de cada formando, de modo a motivá-los na aprendizagem da língua.

Penso que a constituição de grupos flexíveis de acordo com o nível de proficiência, a proximidade da língua e dos ritmos de aprendizagem fosse mais bem conseguida se todos os alunos partilhassem do gosto por este método de estudo. Neste sentido, quando a professora refere que no funcionamento das suas aulas “o grupo não se registou sempre coeso e uno”, poderia ter tido em conta os métodos de estudo preferenciais de cada formando e, em conjunto, poderia preparar, por exemplo, um plano de estudo adaptado e personalizado às necessidades de cada formando.

A produção de materiais também me parece uma estratégia fundamental, pois nem todos os materiais servem para um “tamanho único”, tal como já foi mencionado por algumas colegas nas sessões anteriores. Neste caso, partir da produção de materiais com base nos manuais poderia não ser o suficiente e poderiam ter sido criados materiais consoante as temáticas específicas que os formandos tivessem maior interesse e necessidade imediata. A ficha de identificação, neste sentido, poderia ser bastante útil pois refere os vários aspetos sociais e profissionais de cada formando.

Outro aspeto importante a referir é a assiduidade e os ritmos de aprendizagem. Não sendo professora de PLA, mas tendo como base as últimas sessões da formação, o público-alvo do PLA é um público adulto e que nem sempre terá a possibilidade de abdicar do seu horário laboral para participar nas aulas. Assim, parece-me natural que a assiduidade dos formandos se devesse, em parte, com este aspeto. Para esta situação, a professora poderia recorrer às fichas modelares de que falámos na sessão anterior a propósito do desenvolvimento de materiais didáticos para o PLA. Quanto aos ritmos de aprendizagem, questiono se não poderá estar também relacionado com fatores afetivos, tendo em consideração o frequente público-alvo associado ao ensino do PLA e o seu contexto cultural e social.

Em resposta a 'Rita Serrano'

Re: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

por João Paulo Pereira -
Cara Rita
Apesar de não ter experiência de ensino de PLA, fez uma análise correta da ação pedagógica da professora Raquel Pereira. O grande desafio era gerir a 'vincada heterogeneidade' da turma, com todas as questões associadas à volatilidade deste público em termos de assiduidade, a que se soma uma dimensão afetiva também presente (decorrente do contexto de imigração, com todos os obstáculos e pressão social que existem).
A pedagogia diferenciada foi a resposta encontrada pela docente Raquel Pereira em relação à heterogeneidade que caracteriza o contexto específico de ensino e aprendizagem em questão (e que é comum no 'universo PLA'). Identificou algumas das estratégias utilizadas neste âmbito, como a constituição de grupos flexíveis. Refere, e bem, que a mera constituição destes grupos não é suficiente e apresenta sugestões, como a criação de um plano de estudos individuais. Concordo que a docente ganharia em utilizar instrumentos reguladores da aprendizagem, como um Plano Individual de Trabalho, que permitiria traçar metas indo mais ao encontro das necessidades de cada formando.
Questiona a seguir, também muito bem, o uso do trabalho de casa. Também considero que a sua eficácia é limitada, sobretudo dado a falta de tempo dos alunos para os realizar.
Em relação aos materiais utilizados, de facto a docente poderia seguir o modelo proposto no Referencial O Português para Falantes de Outras Línguas das fichas modulares. Registe-se ainda assim como positivo a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas, o que denota a preocupação em ir ao encontro das dificuldades dos vários públicos presentes.
Finalmente, faltou mobilizar alguma da bibliografia, como era solicitado.
Para complementar a sua resposta, deixo-lhe a minha própria reflexão sobre este caso.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).