Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA

por Patrícia Sacadura -
Número de respostas: 1

As estratégias implementadas pela professora Raquel apresentam alguma diversidade, personalização e inclusão multicultural.

Como pontos fortes, destacaria alguns aspetos bastante pertinentes e práticos da ficha de identificação na medida em que ao incluir os interesses pessoais, as expectativas para o curso e a motivação para a aprendizagem da língua torna-se possível a seleção e recolha personalizada de métodos, técnicas, estratégias, temas, recursos de trabalho e ferramentas de avaliação para o funcionamento das aulas.  

A aplicação de um teste de diagnóstico é fulcral para aferição dos conhecimentos dos alunos e para organização em grupos de trabalho com base no nível de proficiência de cada um ou mesmo para a organização de materiais e recursos. A criação de grupos flexíveis de trabalho é uma metodologia interessante para promover o diálogo, entreajuda e colaboração entre os alunos. A produção de materiais próprios e/ ou adaptados é fundamental em qualquer disciplina do meu ponto de vista - os manuais devem ser apenas uma base de trabalho. No caso do PLNM / PLA muitos são desajustados às experiências e necessidades dos alunos daí ser importante a adaptação às expectativas e interesses do grupo com o qual trabalhamos. Por exemplo, na ficha de identificação o aluno deve referir qual a sua motivação para a aprendizagem do português. Se o aluno necessitar da língua para trabalhar num restaurante ou num hospital é imprescindível que o desenho do curso bem como os recursos, fontes e estratégias sejam direcionados para essa realidade de forma a favorecer a inclusão e autonomia nesses contextos.

Também me parece positiva e pertinente devido à heterogeneidade do grupo a aposta no diálogo intercultural através da imersão na cultura dos alunos através da partilha de produtos típicos do seu país de origem ainda que essa estratégia pareça focar-se apenas na competência oral. Ora, de acordo com o que foi possível aferir, os alunos apresentam lacunas na produção escrita e a nível de vocabulário. Assim, esta seria também uma oportunidade para ampliar o campo lexical do grupo e desenvolver a competência escrita. Podia optar-se pela construção de um mapa mental de áreas temáticas de interesse e sobre os países dos alunos. Por exemplo, a mostra dos produtos de cada país pode englobar vários temas desde a gastronomia, às artes, à música, à literatura, ao desporto, paisagens, entre outros. Essa partilha poderia englobar pequenos textos expostos em cartolinas, nas paredes da sala / escola ou no site da instituição para dar também visibilidade, promover a empatia e a inclusão.

Relativamente aos pontos que mais dúvida suscitam destaco a estratégia de envio de trabalho para casa devido às características peculiares dos alunos de PLA. Na maioria dos casos, trata-se de pessoas que frequentam estes cursos em horário pós-laboral pelo que se torna um pouco utópico e pouco exequível essa revisão/sistematização fora do contexto de aula. A própria aula poderia incluir um momento de mais autonomia para esse efeito e devidamente monitorizado para acompanhamento do trabalho, progresso e colmatar das dificuldades (feedback).

Considero que seria pertinente estabelecer um plano individual de trabalho para gestão dos ritmos de aprendizagem e também como possibilidade de resolução do problema da assiduidade. Esta ferramenta promove a organização, autonomia e reflexão sobre as práticas educativas para além de acompanhar o progresso do aluno ao longo do curso. Assim sendo, pessoalmente abolia o exame final e optava pela apresentação do produto final do plano individual de trabalho / portefólio.

A partilha no início do curso de toda a documentação/ recursos através de um portefólio também ele  digital e respetivos recursos podia ser uma mais-valia para os alunos mais ausentes.

Em resposta a 'Patrícia Sacadura'

Re: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA

por João Paulo Pereira -
Cara Patrícia
Gostei muito da sua análise, que foi minuciosa e certeira quanto aos pontos fortes fracos das estratégias utilizadas pela docente em apreço.
Considero as sugestões de outras estratégias que poderiam ter sido apresentadas também muito interessantes. Algumas fazem-me lembrar a metodologia da Escola Moderna, como a criação de espaços de comunicação e difusão de trabalhos.
Só faltou mobilizar alguma da bibliografia, como era solicitado.
Para complementar a sua análise, deixo-lhe a minha própria reflexão.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).