Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA

Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA

by Sara Meireles -
Number of replies: 1

Analisando o caso prático da abordagem pedagógica da docente Raquel Pereira, penso que a realização do teste de diagnóstico e o preenchimento da ficha de identificação serviram, nesse primeiro momento, o propósito de caracterizar os alunos que constituíam a turma.

Partindo dos dados obtidos com esses documentos, a docente decidiu constituir grupos de trabalho de acordo com a proficiência linguística, a proximidade das línguas de origem e os ritmos individuais de aprendizagem. Uma vez que o grupo era heterogéneo ( 14 formandos de 5 nacionalidades diferentes), não seria fácil agrupá-los de acordo com as características culturais. Neste ponto, penso que talvez fosse interessante mudar os elementos dos grupos de tempos a tempos para ver se existiriam outros critérios que pudessem resultar enquanto  fatores de aproximação, como, por exemplo, a existência de passatempos em comum, gostos ou histórias de vida similares.  

As referidas adaptações de manuais e a produção de materiais para alunos de línguas maternas específicas são procedimentos que se revestem de sentido; contudo, o facto de existir trabalho de casa poderá não se revelar uma escolha eficiente. Tendo em conta que há sempre alunos de PLA que estão inseridos no mercado de trabalho, a obrigatoriedade de trabalhar autonomamente entre sessões de formação pode ser uma tarefa árida. Considero que poderia ser mais proveitoso dedicar uma parte inicial de cada aula à revisão e consolidação dos conteúdos abordados na aula anterior, com o contributo de todos os formandos. 

No que respeita à compensação de faltas, acredito que a realização autónoma dos exercícios em falta poderá não ser a melhor opção. Apostaria, talvez, no envolvimento dos formandos presentes nas sessões no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos aos formandos menos assíduos.

No que respeita à conclusão, penso que não haveria forma de contornar a "vincada heterogeneidade" referida, mas que, não obstante, poderia ter sido traçado um caminho conducente à coesão e unidade do grupo. De entre possíveis estratégias, seleciono a elaboração de trabalhos com foco em aspetos culturais e sociais das nações de origem dos diversos formandos, de forma a promover uma partilha rica e promotora da aquisição da língua. Na verdade, tal  como diz Maria José Grosso no artigo "Língua de acolhimento no contexto migrante Português", "a língua de acolhimento abrange realidades e públicos que necessitam de forma urgente mais do que o ensino duma língua", e uma dessas necessidades é a partilha cultural, que é indissociável da construção do conhecimento linguístico.

In reply to Sara Meireles

Re: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA

by João Paulo Pereira -
Obrigado, Cara Sara, pela análise da ação pedagógica da docente Raquel Pereira, que teve, como todos os professores de PLA, de lidar com a heterogeneidade linguístico-cultural e com questões associadas à volatilidade deste público, como a falta de assiduidade. Para tal, decidiu adotar uma pedagogia diferenciada, ou pelo menos alguns dos princípios e estratégias que nela se inscrevem (faltou, para além da criação de grupos por nacionalidade, a meu ver, o recurso a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o plano individual de trabalho, que teriam ajudado a estabelecer objetivos gerais e específicos e a definir um plano de ação, vantajoso para professor e aluno). Também tenho reservas quanto às estratégias utilizadas para colmatar a falta de assiduidade. E concordo consigo com a importância de se estabelecerem pontes com a(s) cultura(s) do aluno, mobilizando-a(s) e integrando-a(s) nas aprendizagens. Foi, em suma, uma boa reflexão que é preciso ter quando se trabalha neste contexto.
Para a complementar, deixo a minha análise deste caso.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).