Trabalhos

Breve história da minha literacia

Breve história da minha literacia

por Maria Irene Fernandes -
Número de respostas: 0

 

Não posso dizer que a minha literacia tenha a minha idade…

Vicissitudes!

Apanhou-me, porém, na esquina do berço de pau e não mais me abandonou.

Privilégio, privilégios!!!

No esticar da memória, entro, no ainda tão presente espaço fronteiriço da velha casa dos meus avós…

Acolhedor, aquele local, sempre de porta aberta, também vistoso e agradável, mas atafulhado de produtos, em prateleiras, prateleirinhas, tulhas e outros expositores da época!

Era aí a venda, taberna, loja, especial “empresa”, enfim, local de trabalho do meu saudoso pai!

Centro-me num plano mais elevado, feito de madeira que separava as funções de taberneiro e fregueses.

Em cima, além de mercadorias pequenas, instrumentos de peso e medida, latas e latinas, estavam livros, jornais, canetas, lápis e outro material necessário…

No quotidiano da época, homens, mulheres, crianças iam e vinham…

De volta o /os produtos, dois dedos de conversa, novidades, enfim…

Outros chegavam, cujo orçamento não dava para tudo!

Muitas vezes, era puxado, aquele livro comprido, tão gasto, pelo uso! O dos fiados!

Pequena, muito pequena deleitava-me a observar tão carismática movimentação!

Não deixava passar o momento do registo!

Achava piada àqueles rabiscos que escreviam o arroz, a massa, os biscoitos, o carbuneto, o pó castanho….

Recordo-me, este último era breve. Terminava numa retorcida bolinha, de pernas abertas e um pau inclinado na cabeça.

Assim foi com outras, outros, muitos mais!

Algumas tinham a minha admiração e sentia-lhes o sabor, no pronunciar, no apontar.

A palavra marmelada, sempre a conheci doce!

O sabão Clarim inseparável do seu   perfume…

O tempo por ali, andou apressado e chegou o dia de assunto mais sério!

Eu ia para a escola primária. Chegou a minha pasta de tecido grosso.

No meu livro dessa primeira classe, foi apostado o meu nome, com aquela caligrafia gigante e retocada que era, só, do meu pai.

Encostada ao balcão, olhei, atentamente! Estanhei o amontoado de riscos ali enfileirados.

Meu pai devolveu o olhar e leu o meu semblante!

Argumentou:

- Tens razão, o teu nome não tem “H”!

Sorri. Ele afagou-me a cabeça.

Abriram-se as portas para o mundo!

Irene Rosa