Discussão/ Reflexão: Gestão da heterogeneidade nas aulas de PLA: Caso prático

Reflexão

Reflexão

por Daniela Outeiro -
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Bom dia a todos e a todas.

Antes de mais, começo por ressaltar que considero que o PLA é uma modalidade de ensino tão peculiar e dotada de tanta falta de formação, recursos e metodologias / estratégias específicas, que é natural que cada docente opte pelo desenvolvimento de uma prática segundo o seu conhecimento da abordagem de outras modalidades da língua portuguesa (ou outras línguas, inclusivamente estrangeiras) para tentar levar a bom porto o trabalho que tem de realizar com o público que lhe corresponde acompanhar em cada ano letivo.

A prova inquestionável desta situação é, logo no início, a identificação dos tipos de materiais utilizados pela professora: “de produção própria da professora” e da realização de uma ficha pessoal (que me parece perfeitamente lógica) e de uma ficha de avaliação diagnóstica que, à partida, era inecessária dado que, basta dominar um bocadinho os conhecimentos básicos das línguas maternas associadas às diferentes nacionalidades dos 14 alunos, para saber que os de língua castelhana apresentariam uma melhor compreensão, em termos gerais; ou seja, perguntando simplesmente se conhecem algo de português, com um sim ou não, ter-se-ia evitado/saltado este ponto porque o resultado era altamente expectável, penso eu. De qualquer forma, é um dos passos recomendado pelo Guia Organizativo do PLA (2022, p.10): “(…), devendo ser realizada, previamente, uma avaliação de diagnóstico, da responsabilidade do formador, que permita posicionar os candidatos no nível de proficiência adequado à avaliação feita e, possibilitando, consequentemente, a constituição de grupos mais homogéneos”.

Em todo o caso, e voltando ao que referi no início desta reflexão, a verdade é que cada docente faz o melhor que pode dentro das suas competências e conhecimentos e também da sua experiência e o que resulta com um grupo, por não resultar com outro ou podem até surgir surpresas dos resultados dos testes diagnósticos…

Passando para o tipo de avaliação, também me parece que uma avaliação contínua não seja a melhor escolha, dada a modalidade de ensino de que falamos. É importante ir ajustando a prática pedagógica ao longo do ano letivo, de acordo com a progressão dos alunos e ter unicamente um momento formal de avaliação (exame final), parece-me realmente muito pouco para obter informação mais detalhada e significativa ao longo do ano para poder adaptar o ensino às necessidades individuais dos alunos.

Por outro lado, a constituição de grupos flexíveis já me parece adequada, embora considerasse também uma distribuição dos alunos por grupo, por nacionalidades. É importante que se sintam acolhidos nas suas diferenças e, na maioria das vezes, estar com alguém da mesma nacionalidade passa por ser um ponto de encontro entre eles, o que os motivará, certamente, mais para a frequência das aulas.

Em relação à adaptação de materiais e à produção de recursos, parece-me uma ação incontornável… Como já mencionei anteriormente, o PLA carece de recursos próprios, daí que o professor não tenha outra opção a não ser a produção livre dos recursos que considera melhor utilizar.

Por sua vez, os trabalhos de casa como forma de revisão e sistematização, parecem-me boa prática embora, nestas idades, possam ser facilmente negligenciados.

Em relação às estratégias de gestão da heterogeneidade na sala de aula, recupero o parágrafo anterior para referir que não me parece, de todo, uma boa ideia compensar a ausência de um aluno com a realização de trabalhos de casa quando se trata da abordagem de uma língua desconhecida. O aluno precisa de orientação e talvez até ajuda para conseguir compreender e resolver os exercícios e atribuir esta responsabilidade a si mesmo, esperando que seja autodidata, é conduzi-lo à desistência.

Julgo ser uma boa estratégia a de criação de tópicos de discussão de interesse comum, partindo de situações ou dados culturais dos alunos, e até a iniciativa da partilha de produtos típicos de cada país. Estas ações, nestas faixas etárias e nestes contextos tão diversificados e peculiares, penso serem altamente atrativas para os alunos, uma vez que estimula a sua motivação intrínseca. É dos poucos momentos, certamente, em que estão em contacto com algo do seu pleno conhecimento e domínio na sala de aula, o que aumenta a sua confiança e pré-disposição para aprender, para poderem partilhar com os demais o conhecimento que já detêm destes elementos culturais. Como diz a própria docente na sua dissertação de Mestrado, “De um modo geral, quando um aluno revela interesse por um determinado tópico, envolve-se nas tarefas propostas com mais empenho, mais motivação e mais entusiasmo” (Pereira, 2017, p. 83).

 

As conclusões da docente não me surpreendem, honesta e lamentavelmente. Penso que deve ser difícil encontrar um grupo de PLA que não seja heterogéneo e que apresente coesão e sentimento de unidade. São pessoas diferentes, que se expressam em diferentes línguas e com histórias de vida e bagagens, muitas vezes, pouco favoráveis à partilha de conhecimentos e à recetividade perante momentos de encontro. Daí que se registe, igualmente, um alto índice de abandono ou registos de assiduidade irregulares ou deficientes em relação ao número de aulas previsto.

 

Como eventuais sugestões, proporia a realização de atividades que permitam aumentar a motivação dos alunos (dado que dificilmente se aprende sem motivação) como as que incluem tarefas mais lúdicas, como indica o manual Desenvolvimento de Materiais Didáticos para PLNM (2023). A relação entre o lúdico e os afetos é algo que é mencionado neste manual como uma das melhores formas de chegar aos alunos, dado que expressam, de forma mais interessada e confiante os seus sentimentos e interesses. Por outro lado, a prática de atividades colaborativas como a técnica do Puzzle de Aronson obriga a que cada aluno cumpra a sua parte num trabalho colaborativo, para não prejudicar o grupo (considerando que sentem o peso desta responsabilidade). Também penso que atividades reais (passeios, idas ao supermercado,etc) em direto e fora das quatro paredes (em contexto efetivamente real) convidam à necessidade de posto em prática do que aprendem, por exemplo.

Ainda, exposição oral de situações do seu interesse, como vimos durante as sessões desta ação de formação, também são atividades que estimulam o interesse por parte dos alunos, travando o abandono escolar e cativando-os mais para o seu processo de aprendizagem, de forma mais subtil mas igualmente significativa.

 

Para terminar, a “língua de acolhimento é um conceito que ultrapassa largamente os saberes linguísticos e didáticos, aglomerando vários elementos de outros conhecimentos, especialmente o socioeducativo e o político” (Grosso, 2021, p. 16) e o professor, tal como indica o manual de PLA-Práticas e Perspetivas, sozinho não consegue chegar a tudo; é necessário um acompanhamento de psicólogos e outros profissionais que ajudem à integração plena destes cidadãos que, por falta de muito mais do que o domínio de uma nova língua, às vezes apresentam lacunas muito mais profundas e difíceis de compensar.

Em resposta a 'Daniela Outeiro'

Re: Reflexão

por João Paulo Pereira -
Cara Daniela
Fez uma análise meticulosa da ação pedagógica da docente Raquel Pereira, mobilizando alguma da bibliografia sugerida. Vincou e bem a especificidade do ensino de Português como Língua de Acolhimento, com a necessidade de se adotar uma abordagem holística, com vista a fomentar uma real integração deste público. Apontou os pontos fortes (adaptação de materiais, constituição de grupos flexíveis) e as limitações (ao nível da avaliação) das abordagens e estratégias aplicadas. E apresentou sugestões para lidar com a heterogeneidade que caracteriza este universo, de que destaco as atividades colaborativas.
Deixo-lhe a minha visão deste caso.
Enquanto professores de Português Língua de Acolhimento (PLA), devemos ter em conta as idiossincrasias de uma realidade ligada à imigração que levanta questões acrescidas, dada a situação de vulnerabilidade (afetiva, social e económica) em que muitas vezes este tipo de público se encontra. O impacto pedagógico é significativo e exige respostas específicas, idealmente articuladas com outros profissionais (Grosso, 2021). Temos de lidar com um contexto educativo marcado concretamente por: uma heterogeneidade de trajetórias de aprendizagem e de perfis sociolinguísticos; baixa assiduidade dos aprendentes (ou atraso na chegada às aulas), devido a questões laborais ou dificuldades de transporte; condições de vulnerabilidade social e afetiva (Bottura e Gattolin, 2023).
É neste contexto que temos de analisar as respostas educativas de Raquel Pereira, no âmbito do curso ministrado a imigrantes no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto. A "heterogeneidade vincada", expressão utilizada pela própria, revela bem aquele que foi o grande desafio enfrentado. Perante esta realidade, a professora não teve dúvida em implementar uma pedagogia diferenciada.
Começo por assinalar o facto de ter sido preenchida uma ficha sociolinguística e ministrado um teste diagnóstico, que vieram corroborar a heterogeneidade da turma e que reforçaram a convicção da docente na necessidade de aplicação de uma pedagogia diferenciada. A docente parecia já ter esta decisão tomada antes de iniciar os trabalhos com a turma, pois inclui na ficha sociolinguística uma questão sobre os métodos preferidos de trabalho dos aprendentes e outra sobre interesses pessoais.
Quanto à utilização de estratégias que se inserem no âmbito da pedagogia diferenciada, a docente refere a constituição de grupos flexíveis, de acordo com o nível linguístico, da língua e dos ritmos de aprendizagem, a aprendizagem cooperativa ou a produção de materiais para aprendentes de línguas específicas.
Não há, no entanto, referência a instrumentos reguladores da aprendizagem, como o Plano Individual de Trabalho (PIT), que poderia apoiar de forma mais efetiva esta prática pedagógica. Refere a professora que, quando os aprendentes não apareciam durante um número significativo de aulas, lhes era pedido que resolvessem os exercícios mais importantes da unidade temática. Com um PIT, tanto os objetivos como as tarefas da unidade temática estariam claramente definidos, sabendo claramente o aprendente o que teria de fazer. Por outro lado, o PIT poderia contemplar também o estudo autónomo, outra parte essencial de diferenciação do ensino e das aprendizagens.
Quanto ao recurso ao trabalho de casa para efeitos de revisão e sistematização, assim como base para o registo das dificuldades individuais, não é garantido que tal estratégia resulte. Por um lado, sabemos da falta de tempo, por razões laborais, que os aprendentes têm para realizar as tarefas escolares fora da sala de aula. Por outro, trata-se de um público com uma assiduidade irregular.
Em termos de materiais didáticos, parece acertada a criação de materiais para aprendentes de línguas específicas e a adaptação de vários manuais. A criação de tópicos com base nos interesses dos aprendentes é outra das estratégias que se enquadra na pedagogia diferenciada e que merece ser destacada.
Finalmente, uma palavra para referir a preocupação da docente em promover o diálogo intercultural, de que é exemplo a partilha de produtos típicos do país de origem durante a aula.
Em suma, são vários os desafios do ensino e aprendizagem do PLA, assim como da implementação da pedagogia diferenciada neste contexto específico. Se consultarmos o trabalho da docente, vemos quais foram essas dificuldades, que se prendem com a gestão da heterogeneidade na sala de aula (a falta de tempo para a concretização da unidade letiva, devido à divisão em grupos; o facto de certos alunos não reagirem bem a trabalhar em grupo; a sensação de dar mais atenção aos aprendentes que chegam de novo do que aos aprendentes fixos; etc.).